terça-feira, 10 de julho de 2012

365 razões para ficar apreensivo



O DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, surgiu nos Estados Unidos em 1952 (DSM-I) pelas mãos da APA- American Psychiatric Association e resultou da necessidade de criar um sistema de classificação que unificasse os 5 sistemas de classificação existentes.

O propósito do DSM-I era criar uma nomenclatura comum, baseada num consenso do conhecimento contemporâneo sobre os transtornos psiquiátricos. Baseado em listas de sintomas o DSM-I incluía 3 categorias de psicopatologia: síndromes cerebrais orgânicos, distúrbios funcionais e deficiência mental. Essas categorias continham 106 diagnósticos. Apenas o diagnóstico de reacção de ajustamento na infância/adolescência podia ser aplicada a crianças.

O DSM-II foi publicado em 1968 e continha 185 diagnósticos que se distribuíam por 11 grandes categorias de diagnóstico. Uma maior atenção foi dada aos problemas da criança e da adolescência com a adição dos transtornos do comportamento da infância e da adolescência.

As publicações do DSM-I e do DSM-II foram amplamente criticadas por falta de validade e confiabilidade. As descrições dos diagnósticos não eram detalhadas, deixando muito espaço para o erro. Além disso, as descrições foram feitas por um pequeno número de académicos, em vez de se apoiarem em estudos empíricos. Muitos psiquiatras criticaram o modelo implícito médico, afirmando que era inadequado, porque a causa da maioria das doenças era desconhecida. Um dos maiores críticos foi Thomas Szasz, que se tornou o líder da anti-psiquiatria. No seu livro “O Mito da Doença Mental” (1961) afirmou que os transtornos mentais são na realidade "problemas da vida" e acusava os psiquiatras de serem "polícias da moral".

Em 1980 surge o DSM-III com critérios explícitos para 15 categorias e 265 diagnósticos, ou seja, mais 80 do que a sua antecessora DSM-II. Passou de 92 páginas para 482. A DSM-III foi tão popular e obteve tantas receitas que levou à criação da imprensa psiquiátrica americana.

Devido a novas pesquisas, ensaios de campo e problemas com a codificação, a APA publicou o DSM-III-R em 1987. O DSM-III-R destinava-se a ser uma curta actualização, no entanto, as diferenças entre o III e o III-R são grandes. O DSM-III-R viu serem renomeadas, eliminadas e incluídas novas categorias. Diagnósticos controversos como a Síndrome Pré-Menstrual, Transtorno da Personalidade Masoquista, entre outros, foram descartados devido às suas implicações sociais. Ao todo o DSM-III-R continha 297 diagnósticos. Apesar de amplamente aceite, o DSM-III e o DSM-III-R foram também amplamente criticados e a evidência científica questionada.

O DSM-IV foi publicado em 1994, para reflectir a investigação realizada desde 1987, data da publicação do DSM-III-R. O DSM-IV viu serem reestruturadas várias categorias, de onde surgiram 365 diagnósticos em 886 páginas (7 vezes maior do que o DSM-II). Tal como os seus predecessores, o DSM-IV foi criticado por levantar, entre outras, questões de comorbidade e sobreposição de sintomas. Não resolveu o problema da TPM e os outros transtornos controversos foram simplesmente adicionados entre os distúrbios que requerem um estudo mais aprofundado.

O DSM-IV-TR (2000) foi lançado para corrigir quaisquer erros factuais e fazer alterações que reflectissem as pesquisas recentes. Não tinha a intenção de resolver qualquer um dos problemas de DSM-IV. Pelo contrário, as alterações eram limitadas ao texto; expressões como "esquizofrénico" foram removidas e substituídas por "um indivíduo com esquizofrenia".

Esta é a história do DSM, mas é também a história que reflecte uma certa visão da doença mental. Em 40 anos foram acrescentados 250 diagnósticos a uma lista que já continha 106. Quem ler o DSM vai encontrar muitas razões, algumas sérias, para procurar tratamento psiquiátrico. A visão distorcida do ser humano encontra-se bem espelhada nas descrições estéreis e descontextualizadas das 886 páginas do DSM-IV-R. O desejo de uniformizar e padronizar através do registo de sintomas observáveis acaba por retirar a subjectividade inerente à vida psíquica, catalogando e empacotando pessoas em categorias estatísticas. As fronteiras entre a chamada normalidade e a psicopatologia parecem não existir, entrelaçando a vivência do sofrimento com a patologia. A vida do paciente, as suas vivências, actuais ou passadas, o seja, a tentativa de compreender a relação doente/doença são desprezadas. Nesta desenfreada proliferação de diagnósticos, com perigosas incursões à infância, que se traduzem numa patologisação e medicalização da vida mental, caminha-se a passos largos para uma profunda desumanização. A DSM-V está na forja, e de bom, nada podemos esperar.

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